... bourbons... alcatrões... e pensamentos intoxicados...

24 de janeiro de 2014

England is Mine!

Cheguei! No clima. Já estou habituado aos semáforos e suas vias de mão inglesa orientando meus passos pelas vertiginosas e apertadas calçadas, sem sufocar minhas lembranças da cidade natal. Passando na extremidade de um grande parque, não pude deixar de notar um casal opinando sobre a última aparição da rainha, em uma festa beneficente para soldados que voltavam amputados de sua missão no longínquo Afeganistão.

Mas também sobre a conturbada monarquia britânica, não pude deixar de participar do acalorado debate que um grupo de anarquistas em seus trajes punks faziam em Moskow Road, em Notting Hill. O Reino Unido realmente não é para principiantes, pensei logo. Tanta tradição misturado a um espírito avassalador por modernidade,  sincretismo e altivez.

Não pude resistir a uma investida quase automática para dentro de um Pub de nome Bayswater Arms e junto de um vigoroso balcão sentir a atmosfera que move a Inglaterra com tanta generosidade e poesia ao som de Beatles e Smiths. Certamente ia pedir uma Guinnes, mas fui demovido da idéia por uma jovem inglesa de cabelos ruivos e olhar penetrante. Convenceu-me a com ela pedir uma London Pride e sacrificar meus desejos irlandeses por um paladar mais inglês, londrino e nobre, segundo suas próprias palavras, entre um sorriso e outro.

Chelsea! Seu nome conduzia com a mais pura imagem da virgindade celta e começamos nossa conversa pelas beiradas, sobre poesia. Coincidentemente suas aventuras literárias eram as mesmas minhas: Oscar Wilde. Viajamos por horas sobre Dorian Gray e seu famoso retrato com algumas pausas para citar Keats, o poeta que modificou minhas convicções sobre a existência e sua misteriosa jornada. Claro que precisei citar Ode à Melancolia para ela, a fim de que opinasse sobre essa que é minha forma neste mundo, entre uma e outra felicidade passageira. Disse Keats aos desregrados, como eu...e eu disse a ela:

"Ela mora com a Beleza - Beleza que fenecerá;
E com a Alegria, cuja mão nos lábios sempre
Se despede; junto ao doloroso prazer,
Virando Veneno enquanto a boca-abelha sorve.
Sim, e no próprio templo do deleite
A velada melancolia tem seu santuário supremo,
Embora apenas o vislumbre aquele cuja língua audaz
Estala no céu da boca a uva da Alegria;
Sua alma provará a tristeza de teu poder,
E penderá em meio a seus nebulosos trofeus"

Lágrimas nos olhos, mas agora era hora de solucionar um problema óbvio que surgiu sem muitos equívocos: a atração física e emocional era inevitável a esta altura. Uma fonte de inspiração, uma porcentagem, uma corroída performance ao espaço alheio...enfim, uma aplicação no seu embaraço e estaria ganho.

Nesta hora entra no nosso pequeno Pub torcedores do Arsenal, meu querido e amado Arsenal, que hoje, por coincidência expôs toda fraqueza na defesa do arquirrival Chelsea. Coincidências da vida são o esboço de uma eternidade ao redor de sua poderosa presença.

Venho de longe querida Chelsea, de onde não há Pubs, não há gente determinada a mesclar, tal como imaginam e que estão dispostos a ficar mais expostos do que imaginaríamos em solenidades de apoio ao ato. Venho do atraso, mas você é o progresso. Não os diminuo, porém não os realço a exploradores da imagem que pensam sobre si mesmos. Estamos nos apresentando muito lentamente, conforme uma obra de arte bem concebida à péssimos entendedores.

É noite, as horas se passaram, já é tarde. Uma ansiedade...um frio que insiste penetrar nossos corações quentes e ávidos por mais dinamismo. A sugestão é a seguinte: vamos a Picaddily Circus pois lá conheço alguma gente. Vamos descontrair os espaços e deixar fluir algum ciúme! Esperar a vingança feita de muito amor e destreza para a enganar-nos nesta simetria anacrônica. Peço com gentileza e delicadeza a sua mão para esquentar os mais longínquos espasmos de solidão de outrora. Peço mais ainda: não sejamos turistas de nossos sentimentos.

O desafio está aceito e estamos nos subterrâneos dos tubos em direção a Picaddily. Escolhemos ir pela District Line, fazendo conexão por Victoria Line e de lá até Picaddily. Olho em volta e não vejo ninguém, somos únicos e estamos austeros. Ali, conversando sobre Shakespeare e Hamlet, percebo agora que duas conexões se foram enquanto deixavamos correr a partilha por congruência. Ora, que magnetismo! Que perfeição! Quanta vida está acoplada dentro de apenas uma, ou duas horas e algumas London Prides, muitos olhares e principalmente atmosfera!

Finalmente, Picaddily Circus! Estamos no coração de Londres e meu coração está complemente tomado por comoção desenfreada. Três grandes amigos meus me esperam. Um inglês, um irlandês e um escocês. Chelsea logo se apressa em demonstrar sua sinceridade quanto ao Pub que acabamos de entrar: muito barulhento. Me diz que lembra a quadras de escolas de samba da minha cidade. Digo em resposta que nem se compara, visto que agora começa a tocar The Cure! Atmosfera mais uma vez!

A conversa agradável agora fica um pouco monótona, visto que meu amigo irlandês é falastrão e pede por diversas vezes a palavra, sem parcimônia nem cuidado acerca da independência de seu país e a ocupação inglesa. Intervenho em favor da unidade e predomínio da cultura britânica como um todo. Todos sorriem cordialmente! Estamos em Londres e vejo o futuro da minha mentalidade reinar, literalmente por aqui. Chelsea concorda e agora estamos alegremente bebendo Guinnes em homenagem a meu nobre amigo irlandês. Mas alerto-os que a cordialidade a meu amigo escocês deverá ficar para outro dia...Risos!

Chelsea me pede e vamos embora, desta vez de ônibus para que a viagem que está só começando não perca seu sentido. Está decidido: esta noite não vou para o hotel. Ficarei com minha amada, visto que agora minha alma é britânica e essencialmente inglesa. Um beijo. Abraços sinceros! Estou em Londres e não pretendo sair. Não quero voltar. Nada deixarei para trás. Meu nascimento longe daqui foi uma mera anedota do destino. Amanhã vamos acordar e o desjejum vai ser desfrutado em Candem Town, para onde correm todas as almas loucas deste mundo, em busca de refúgio, conselhos mal dados e liberdade.
Chelsea, que visualizei em um balcão sentada com uma formosa presilha no cabelo, sustentando um exuberante par de brincos prateados, em forma de flores do campo. Estimula minha força de vontade e paciência com destemor. Agora estou do outro lado do mundo mas não olho mais para os lados e nem bebo mais London Pride sem destoar de mim mesmo. Cheguei, e não vou mais sair, pois estamos em Londres e aqui tudo é possível. Como diria Morrissey:

Well I wonder
Do you hear me when you sleep?
I hoarsely cry
Well I wonder
Do you see me when we pass?
I half die
Please keep me in mind
Please keep me in mind
Gasping - but somehow still alive
This is the fierce last stand of all I am
Gasping - dying - but somehow still alive
This is the final stand of all I am
Please keep me in mind
Well I wonder
Well I wonder
Please keep me in mind
Oh, keep me in mind
Keep me in mind

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