... bourbons... alcatrões... e pensamentos intoxicados...

25 de março de 2010

Alcoólicos

Bebiam juntos, em lados opostos.
Vestidos de penumbra, olhos vidrados em reminiscências de quase nada.
Copos alcoolizados, sobre a mesa, bourbon.
No bar, clangores de adeus.
Garçons cansados, empilhavam cadeiras.
Ventiladores tontos.

Amargos ritos de monotonia, eles acariciavam o membro necrosado.
Fediam a desilusão.
Ainda, enquanto todos já foram.
Os últimos a abandonarem o ontem e os primeiros a esquecerem o amanhã.


Gestos torpes.
A duras penas, malabarismos para longos goles de crestar laringes.
Olhos vermelhos, auroras.
Presos em si mesmos, conteúdos de um casulo que os faria piores após a eclosão.
Pelas paredes, entre bolor e carpetes, embriagado jazz negro engatinhava.
Eles não o ouvia.
Ouviam a solidão.
Não me abandonem, ela murmurava. Sem vocês, eu me torno amor.
O amor, eles fingiam, é uma ferida que, quando cicatriza, nunca existiu.


Até que se encontraram.
Numa falha despretensiosa, entreolhar leviano.
Mãos oblíquas, bocas dos copos abocanhando suas bocas.
Seus olhos adernaram para o fundo de vidro e, na magia da óptica, lampejos!, estavam tão próximos, apresentados.
Prazer e pantomima.
Lentamente.
Pousaram o copo de conteúdo cuspido e erguerem-se sobre pernas pesadas.
Arrastaram-se em sapatos ruidosos, um de encontro ao outro, num inexpressivo balé de medíocre sedução para platéia nenhuma.
Iguais, puxaram duas cadeiras.
Iguais, sentaram numa mesa vestida de vida.
Debaixo de um halo de luz, sob o domínio de suas diferenças, sem máscaras, o silêncio da primeira impressão.
Longos anos de um segundo.
Dissidências e hesitações, até que ruiu a primeira palavra: redenção.
E dos verbos fizeram frases.
Das frases, estórias,
Das estórias, fins.
E ao fim dos fins, um beijo... lentamente.

Na manhã seguinte, saborearam no café-da-manhã o que sobrou de sexo da noite anterior.
Embaixo dos lençóis, um novo espetáculo de risadas para platéia nenhuma.
Mas eles não se importavam.
Estavam felizes.
Viviam dos sorrisos largos, das trocas de roupas, das viagens de chuva, dos filmes que não entendiam o final.
As fraquezas ímpares, aos borbotões sucumbiam aos zelos pares.
Ternura.
Respeito.
Congruência.
Imaginação.
Pintaram paredes, comemoraram aniversários, combinaram um jantar para um dia depois da eternidade.
Mas então.

Mas então, que numa falha despretensiosa, a vida foi se transformando num amargo rito de monotonia.
Sob ventiladores tontos, sobre a cama, ele vestia-se de penumbra, enquanto ele tinha os olhos vidrados em reminiscências de quase nada.
Copos alcoolizados se espalhavam pelo carpete.
Dentro daquele casulo, a eclosão era inevitável.
Em longos segundos de um ano, foram se tornando os primeiros a esquecerem o ontem e os últimos a abandonarem o amanhã.
Solidão.
Perdiam o amor.
Não me abandonem, ele rugia.
Sem vocês, eu me torno coragem.
E o amor, cicatrizado, tornou-se uma ferida que nunca existiu.
Adeus!
Um dia qualquer, estavam num bar.
Bebendo juntos, em lados opostos.